A Relação do psicanalista com outros psicanalistas

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Freud (1925[1924]) desenvolve a Psicanálise solitariamente e, certo dia, em Viena, recebe a visita de Jung e Ferenczi, dois médicos curiosos sobre esse novo método e, como seria esperado de um bom encontro, esses três colegas conversam por toda a noite, fumando charutos e discutindo com o inventor da Psicanálise sobre sua criação.

Talvez esse seja o protótipo da relação entre os psicanalistas, conjugando pares que exercem a mesma atividade – aquilo que por sinal Freud (1933[1932]) alcunhava como uma “profissão impossível” – no dia a dia de sua clínica, recebendo pessoas que se queixam de vários tipos de questões e dificuldades que obstaculizam suas vidas.


Sendo assim, o oficio psicanalítico tem uma particularidade que merece ser problematizada, o psicanalista não se forma individualmente, mas sim junto aos pares, a outros psicanalistas, especialmente na exigente relação com a teoria. Para além da indispensável análise pessoal e da recompensadora supervisão com um colega mais experiente, – relações duais extremamente transformadoras, pois aproxima cada vez mais o psicanalista de seu próprio inconsciente, elemento crucial para uma formação de alto nível – deve-se destacar também o contato regular com os outros psicanalistas, tanto nas relações mais próximas, por vezes com colegas que dividem o mesmo consultório, bem como em grupos maiores, como em instituições psicanalíticas, por exemplo, lugar no qual a transmissão da Psicanálise se dá de forma mais sistematizada.



E é nesse ponto que podemos iniciar a discussão, pois ao estabelecer relações muito próximas com os pares e, consequentemente, fazer parte de um grupo, como aliás Freud (1921) deixou claro em seu Psicologia das massas e análise do Ego, também se inicia uma relação com os ideais que cada grupo erige e, no caso dos psicanalistas, um ideal de como fazer e, principalmente, de como não fazer, ou seja, um sutil manual de conduta, se pudéssemos assim dizer, sem grandes rodeios.


As consequências não são boas, pois o colega passa a ser uma espécie de avaliador, ou seja, aquilo que no senso comum dizemos por vezes em tom jocoso, sobre o que os outros falarão de mim, pode ser levado a sério nesse caso e, de alguma maneira, modula o que chamamos de uma demanda de reconhecimento, ou dito de outra forma, o psicanalista passa a buscar o reconhecimento dos pares que elege como representativos, atravessando questões como o encaminhamento ou o recebimento de possíveis pacientes, afinal o que está em jogo seria uma suposta satisfação do colega, quase como uma aprovação necessária.


E o mesmo pode ocorrer nas atividades em grupo, como em aulas, cartéis e seminários, experiências nas quais o medo de errar passa a ser a tônica, gerando um empobrecimento da criatividade e, especialmente, uma inibição que, caberia pensar, talvez afete a condução dos tratamentos, como ressaltei em minha tese de doutoramento (Santos, 2011).


O que deveria se alvo de críticas nesse circuito é que o compromisso de cada analista deveria ser, fundamentalmente, com seu paciente, com as especificidades daquele tratamento, de como a teoria se confirma ou não naquele caso, como esse caso poderia servir de paradigma para novas questões que ainda necessitam de exploração pelos pesquisadores do campo psicanalítico, enfim, uma lógica muito próxima do que o próprio Freud pregava arduamente, em muitos de seus escritos.


A saída para essa problemática me parece ser complexa, mas talvez um passo inicial possa ser dado, que a relação entre os pares não se molde pelo amor transferencial, algo tão vital para a fruição de um tratamento psicanalítico, mas sim pela transferência de trabalho, no qual a tarefa seja o pilar central, que cada psicanalista em seu grupo de pares não se aprisione em estratégias secretas para ganhar o amor do outro, do par eu no fundo apenas exerce a mesma labuta cotidianamente.


Afinal, se durante e após uma análise o paciente saudavelmente muda suas relações com o outro, o mesmo vale para os psicanalistas.